Há mais de um ano que eu venho com esse assunto em mente, mas foi o início da conferência “Internet for Trust”, nesta quarta-feira (22), em Paris, organizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) que determinou minha de urgência em escrever sobre a necessidade de uma regulamentação das redes sociais em nosso país.
Além disso, conversas recentes com amigos da classe política e da polícia federal vêm me fazendo perceber, cada vez mais, o quanto uma regulação das redes sociais é, não apenas um caminho sem volta, mas principalmente um caminho sem volta para o combate às fake news.
Primeiro, é preciso lembrar que é praticamente impossível chegar a uma unanimidade sobre o que seria o “ambiente digital ideal”. Segundo, é preciso entender que, em maior ou menor grau, cada país já possui, de alguma forma, uma maneira de regular o uso das redes sociais.
No Brasil, por exemplo, basta lembrar da parceria firmada entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as principais plataformas digitais de relacionamento para a prevenção e contenção de divulgação de fake news com foco nas eleições de 2022. Não chega a ser um instrumento de regulação (muito mais um recurso educativo), mas auxiliou, e muito, a identificar conteúdos potencialmente perigosos.
Por que pensar na regulamentação das redes sociais?
Bem, o uso crescente das mídias sociais deu às pessoas anônimas o poder de, ao mesmo tempo, consumir, lançar e produzir conteúdo. Sim, até o simples comentário feito numa publicação já pode ser considerado como um tipo de produção de conteúdo na indústria digital do entretenimento.
O que a maior parte das pessoas não faz ideia é do poder que têm nas mãos. Para o bem, ou para o mal. Um exemplo icônico do poder nocivo que os discursos de ódio são capazes de operar nas redes sociais foram os ataques contra as sedes dos Três Poderes em Brasília, no dia 8 de janeiro.
Por isso, a crescente disseminação de conteúdos e comportamentos criminosos online estão provocando novos debates sobre até onde as plataformas digitais de relacionamento devem ser responsabilizadas pelos atos de seus usuários.
A esta altura do debate, você pode estar se perguntando: mas como uma plataforma pode ser responsabilizada por um ato que não foi cometido por um de seus donos? Bem, em linhas gerais, é preciso entender que uma plataforma de mídia de relacionamento online é, antes de tudo, um meio de comunicação. Por isso, da mesma forma que acontece com veículos de comunicação tradicionais, ele cede um espaço (sua conta na rede social) para um interlocutor (você, pessoa física que lê este artigo).
A partir desse paralelo eu pergunto: então, por que não responsabilizar a plataforma da mesma forma que a justiça já responsabiliza os meios de comunicação pelos crimes eventualmente cometidos em seu espaço de transmissão? A resposta para mim é clara e alguma responsabilidade a plataforma tem.
Por uma regulação democrática e inclusiva
Se antes a questão era saber se a vida imita o vídeo ou o vídeo imita a vida, agora, a questão é saber até que ponto o posicionamento das pessoas nas redes sociais refletem quem elas são no mundo real. Isso acontece porque as pessoas se acostumaram com a falsa ideia de que o mundo digital é uma esfera separada da realidade, uma terra de ninguém na qual o anonimato é garantido e muitas vezes agem nas redes sociais com uma maior “liberdade”. Mas não é bem assim.
Por isso, quando pensamos em regulação das mídias sociais precisamos pensar também em dois conceitos centrais: democracia e inclusão. Mas para falar desses dois conceitos precisamos antes entender um pouco do perfil do usuário dessas redes.
Vou agora, de forma grosseira, dividir os usuários das redes sociais em três grandes grupos: primeiro os usuários para os quais falta apenas noção, bom senso e educação, especialmente letramento digital. Esses nós podemos “corrigir” com campanhas educacionais. O segundo grupo diz respeito ao usuário médio, que sabe identificar uma fake news sem repassá-la e que modera a voz nos seus comentários e postagens pois sabe que internet não é terra de ninguém. Por último, eu coloco aqui o grupo mais perigoso: o grupo dos que agem de má fé ou que cometem ilícitos na certeza da impunidade. E é contra esse último grupo que a regulação das redes sociais luta.
Partindo do pensamento de que nossos usuários estão divididos nesses três grupos, é preciso pensar numa regulação educativa, inclusiva, democrática e, só então, punitiva. Em outras palavras, sou à favor do que o presidente Lula escreveu hoje sobre defender o esforço global para que as plataformas digitais garantam o fortalecimento dos direitos humanos, da democracia e do estado de direito, “ao invés de enfraquecê-los”.
Para quem não leu meu texto sobre fake news, esse derrame de notícias falsas não é um crime apenas pelo seu conteúdo duvidoso, mas sim por contribuir para o enfraquecimento das democracias no mundo todo, Não é à toa que esse assunto ressurgiu após a participação do Brasil num encontro mundial para discutir o tema. O mundo está unido por uma internet mais democrática e menos fake, então, porque eu, você e as redes sociais não podemos nos unir também?
@AlekMaracaja