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Jackson saiu de onde eu escolhi viver (Paraíba) e foi para onde eu cresci (Pernambuco). Ele nascido em 31 de agosto de 1919, eu nascido também em um dia 31, mas de um distante outubro de décadas depois (1977). Ambos levados pelas mães, das origens, em busca de melhores condições de vida, ele levado de Alagoa Grande, eu levado de Iguatu/Mombaça.
Dei um sorriso gostoso enquanto via “Jackson, na batida do pandeiro”, lindo documentário dirigido por Marcus Vilar e Cacá Teixeira, era mais uma coincidência, Jackson casou com Almira Castilho e foi morar no Edifício Ouro, mesmo prédio que morei quando casei com Áurea Augusta, baiana, como a segunda esposa (Neuza Flores) do Rei do Rei do Ritmo.
Jackson era um incrível instrumentista, compositor e cantor, eu, não, não toco ou canto absolutamente nada (rsrsrs), mas estou muito feliz de viver na Paraíba no ano do centenário do Jackson e aos poucos ir descobrindo mais sobre ele, que junto com Raul Seixas e Chico Science marcaram e marcam diferentes momentos da minha vida, sendo que com o Rei do Ritmo e com Chico tenho uma identidade para além da arte, uma identidade com a vida: como o lugar que cresci, formei, casei, fui pai; e com o lugar que eu escolhi para viver os próximos anos da minha vida. Agora carrego essa identidade literalmente na carne.
Para não dizer que não falei de política, eles (Jackson, Raul e Chico) também cantaram a política e seguem atuais como a FOME. Pode até ser que ninguém duvide da grandiosidade desses três caras, mesmo que não goste deles, mas, por incrível que pareça, tem alguns imbecis duvidando (ou tentam esconder) da existência e da atualidade da FOME.
Achei que jamais fosse voltar a ouvir tantas notícias tristes sobre a FOME ou ver tão frequentemente em meu cotidiano, ao menos não no Brasil. Você não consegue perceber? Pois abra os olhos e os ouvidos. Veja a quantidade de pessoas nos sinais, quantos corpos franzinos, de idades as mais diferentes, a FOME está ali. Ande no centro da nossa capital a noite, veja as centenas de pessoas na rua, a FOME está ali. Veja a forma absurda como crescem as filas das sopas, dezenas de pessoas com seus pedaços de garrafas pet, sacos plásticos e depósitos, enfrentando a FOME.
Caso não consiga enxergar, escute as pessoas, escute a professora da rede pública que voltar a ter crianças desmaiando de FOME em sala de aula. Escute a assistente social que trabalha na assistência social e acompanha a FOME se ampliar a cada bolsa família cortada. “Escute” o mundo a sua volta.
Sim, mas o que tem a FOME com o centenário de Jackson? Certa vez, sem negar ou fugir das suas raízes, ele disse que não voltaria a viver na Paraíba argumentando que “lá tem muita FOME”. A FOME marcou a vida de Jackson e de muitas outras famílias que bateram em retirada.
Verdade que a FOME não é novidade, mas é fato que ela estava longe de ser como no período da partida de Jackson, mas também é fato que ela volta a galope. Não conheço composição de Jackson sobre a FOME, mas ela é bem presente em Raul, como “A FOME sentada na mesa” (As Profecias); “Minha mãe, nossa mãe e mata minha FOME” (Ave Maria da Rua); “Depois de ter passado FOME por dois anos aqui na cidade maravilhosa” (Ouro de Tolo); e em Chico Science com o conhecido “só queria matar a FOME no canavial na beira do rio” (O Cidadão do Mundo) ou no “Aí minha véia, deixa a cenoura aqui / com a barriga vazia não consigo dormir” (Da Lama Ao Caos).
Apesar de não conhecer composição de Jakcson sobre a fome, já ouvi algumas vezes ele cantar “vim do mato, cansado e com FOME / Retirante fugindo ao sertão” (O Retirante, de Rui de Morais / Silva), mas aqui ele canta a volta de uma família após a chegada da chuva, pois que possamos ficar (ou voltar) onde queremos, sair só por vontade, não enxotados pela FOME.
Pois “lá vou eu de novo brasileiro nato, se eu não morro eu mato essa desnutrição” (Abre-te Sésamo, Raul Seixas), assim, quem sabe, todos e todas cantem “E com o bucho mais cheio comecei a pensar / Que eu me organizando posso desorganizar / Que eu desorganizando posso me organizar / Que eu me organizando posso desorganizar” (Da Lama ao Caos, Chico Science).
Jackson, que em seu centenário receba todas as honrarias que merece; que siga brilhando; que siga encantando com sua arte; e que a FOME, conhecida por você de bem perto, um dia possa ser extinta do nosso planeta.
O post Jackson do Pandeiro: o centenário, os retirantes e a fome – por Tárcio Holanda Teixeira apareceu primeiro em Polêmica Paraíba.