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Por linhas tortas
Por Merval Pereira
Uma sucessão de erros levou o Supremo Tribunal Federal (STF), o guardião da Constituição e defensor dos direitos dos cidadãos, a provocar uma potencial crise institucional. Essa historia está sendo escrita por linhas tortas, mas dificilmente chegará a um final feliz num país que carece de lideranças e excede em desregramentos.
O STF decidiu censurar o site de notícias O Antagonista e sua revista Crusoé, impensável em uma democracia. Expediu diversos mandatos de busca e apreensão na casa de supostos agressores do STF nas redes sociais, entre eles um General da reserva, que está sendo defendido por seus companheiros de farda, alguns membros do governo Bolsonaro.
Abriu também uma guerra com o Ministério Público e boa parte do Legislativo e representantes da sociedade civil. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, saiu em defesa do Supremo, avaliando que seria preciso aguardar as investigações para tomar uma posição. Mas deputados e senadores se manifestaram com criticas, e vários partidos entraram com ações no próprio Supremo para anular o inquérito, que está em andamento mas, segundo a Procuradora-Geral Raquel Dodge, produzirá provas imprestáveis para uma futura ação penal.
O ministro Alexandre de Moraes, nomeado relator do inquérito sobre notícias falsas e ataques contra membros do STF e parentes pelo próprio presidente do STF Dias Toffoli, rejeitou seu arquivamento decidido pela Procuradora-Geral da República Raquel Dodge.
Dias Toffoli não poderia ter aberto o inquérito, mas requisitado a ação do Ministério Público, que é o detentor da acusação no Estado. Não poderia ter indicado o relator sem uma escolha aleatória, por sorteio eletrônico. Mas a Procuradora-Geral da República não poderia também determinar o arquivamento do inquérito, o que é atributo de órgão judicial, segundo o Código de Processo Penal.
Inclusive o CPP prevê que o juiz pode discordar do pedido de arquivamento. A questão é que quando o juiz discorda do pedido feito pelo MP, tem que mandar o inquérito para o Procurador-Geral (dos Estados ou da República), para que ele analise se é o caso de oferecer denúncia (no lugar do promotor ou procurador que requereu o arquivamento).
Como esse caso tramita no Supremo e o pedido de arquivamento veio já da Procuradora-Geral, o juiz (o ministro Alexandre de Moraes) não pode mandar de volta para a PGR, mas pode negar o pedido de arquivamento, como fez agora.
O agravante é que todos os movimentos dos ministros envolvidos são relacionados com o interesse deles próprios de se protegerem. O STF, de acordo com a maioria dos especialistas, não pode conduzir investigações sem o Ministério Público, muito menos sobre uma questão que o envolve diretamente.
Mas o ministro Alexandre de Moraes considerou que pode conduzi-las com a Polícia Federal, independentemente da participação do Ministério Público, segundo já decidiu a Segunda Turma em julgamento de caso semelhante.
A convocação para depoimentos de críticos nas redes sociais às atuações de ministros, assim como já aconteceu com o editor do site O Antagonista, jornalista Mario Sabino, representa um abuso de poder do Supremo, que não pode considerar críticas individuais como críticas à instituição, como deu a entender o presidente Dias Toffoli em relação à reportagem censurada.
Nela revelou-se que Marcelo Odebrecht identificou Toffoli como sendo o “amigo do amigo do meu pai”, quando ele estava na Advocacia-Geral da União tratando oficialmente de questões relacionadas à construção de hidrelétricas no norte do país.
Não há insinuações, e se as houvesse, bastaria que o presidente do Supremo esclarecesse o caso e exigisse uma eventual retratação, como fazem os comuns mortais. Outra coisa é vandalismo digital, ameaças físicas a ministros e seus parentes.
A apreensão de computadores nas casas dos supostos detratores do Supremo leva à desconfiança, já disseminada nas redes sociais, de que a intenção da operação é descobrir as fontes de informação do site, que muitas vezes podem ser de dentro do governo, da PF, MP, PGR. Assim como a fonte dos repórteres de Watergate era um vice-diretor da CIA.
Se a lei é igual para todos, Toffoli está sendo tratado como mais igual que os demais cidadãos, parafraseando George Orwell no livro “ A Revolução dos Bichos”.